Ser surfista na Invicta


Descentralizámos, o que é sempre importante, e fomos até ao Norte falar com Zeca Neto. Não é o surfista típico que podemos acompanhar numa competição perto de nós, mas é definitivamente o espelho de um surfista do Porto. Uma conversa informal em torno do mundo da fotografia, do design, da família e ainda do que é ser surfista na Cidade Invicta. 

Viva Zeca. Começamos por pedir que nos fales um pouco de ti, de como começou a paixão pelo surf e onde se deram os primeiros passos.

Boas! O meu primeiro contacto com o surf foi no verão de 1992, na Praia da Vieira, Marinha Grande. Tinha 9 anos e estava de férias com a família e um casal amigo dos meus pais que tem um filho mais velho três anos, o Gustavo “Guta”, e ele tinha levado a prancha de bodyboard. A primeira onda da minha vida foi a deslizar em cima dessa prancha, uma Manta Eppo. Lembro-me como se fosse ontem, das melhores sensações que tive até hoje. Passei o resto das férias sentado na areia a ver o Guta a surfar e, quando ele saía da água, deixava-me sempre apanhar umas ondinhas. 

A partir desse verão só pensava em bodyboard, todos os meses comprava revistas, como a Vert, algumas Surf Portugal e também a brasileira Fluir, alguns livros e via também muitos filmes de surf e bodyboard em VHS. Tanto chateei os meus pais que no Natal desse mesmo ano ofereceram-me uma prancha, uma Alto Astral Storm que ainda tenho guardada. 

Como qualquer puto daquela idade, andava na escola e primeiro tinha que me preocupar com os estudos, só depois é que vinha a diversão. Conclusão, só podia surfar aos fins de semana, se tivesse boas notas e se na semana seguinte não houvesse testes. Só a partir dos meus 16, altura em que comprei uma scooter, é que ia surfar sempre que queria e com mais regularidade. Os meus pais sempre me apoiaram, mas na realidade ficavam preocupados sempre que entrava no mar. 

Os anos foram passando e aos 23 comprei o meu primeiro longboard. Uma Backwash em segunda mão feita pelo Chico Russo. Não pondo o bodyboard de lado, comecei a surfar mais de longboard, porque a praia onde passava – e passo – a maior parte do tempo é ideal para surfar de pranchão. No fundo, tudo isto foi o que tive como base, como orientação, de como começou a minha paixão pelo surf. 

Os meus pais sempre me apoiaram, mas na realidade ficavam preocupados sempre que entrava no mar. 

Qual é a essência do Surf?

Não tenho muito a certeza se terei uma resposta para isso…. mas, para mim, é tudo uma dança com as ondas. A onda faz o que faz, e tu fazes o que fazes. E quando bate certo, é uma dança. Ás vezes tens uma dança rápida, outras vezes uma dança mais lenta e outras vezes a dança é poderosa, como pode ser suave e elegante. Nunca sabemos. E muitas vezes é simplesmente aquela dança sem ritmo nenhum. (risos)

Como é a rotina de um surfista típico do Porto? Consoante o pulsar do swell, por onde anda e por onde pára?

Acho que não será muito diferente aos restantes surfistas das praias da nossa costa. Neste momento a maior parte de surfistas que vemos aqui nas nossas praias, praticam surf como um hobby, uma fuga, uma maneira agradável de passarem o tempo. No meu caso não deixa de ser isso também. É algo que eu gosto de fazer e quando o faço é muito importante para minha saúde mental e bem-estar estar sozinho comigo mesmo. Porém, como não tenho disponibilidade para surfar sempre que quero e com as condições ideais, tento sempre aproveitar ao máximo os tempos livres do meu dia. Por norma surfo na minha hora de almoço, ou então aquela matinal bem cedinho com o frio entranhar-se nos ossos. No verão dá sempre para a surfada do lusco fusco. Ao fim de semana já é diferente, pois há mais tempo para surfar. Pegas no carro e vais com amigos a um spot com menos crowd… podes sempre esperar que a maré encha ou vaze sem estar preocupado com horas. Fazes um churrasco e a seguir surfas outra vez. No fim, vais para a esplanada da praia ver as fotos que o fotógrafo local tirou enquanto bebes duas “jolas”. Jantas com a malta toda e combinam onde vai ser a surfada do dia seguinte. Em geral a rotina de um surfista portuense acaba por ser assim.

A onda faz o que faz, e tu fazes o que fazes. E quando bate certo, é uma dança.

Que ondas no norte procuras mais?

A onda que mais procuro no norte é aquela a onda perfeitinha de água cristalina a 30 graus, cheia de peixinhos coloridos e pouco crowd. Só que nunca a encontrei por aqui. (risos) Surfo muito em Matosinhos, porque o estúdio onde trabalho fica a 100m da praia, mas sempre que posso tento surfar ondas com menos crowd e sempre mais para norte. Leça, Aguçadoura, Cabedelo (Viana), Arda e Vila Praia de Âncora são os spots que mais frequento para surfar de Longboard. Vou menos para sul, mas também gosto muito de surfar na Maceda, Cortegaça e Esmoriz. Principalmente procuro ondas que me divirtam. Se não for para me divertir, nem vontade tenho de entrar na água. As sessões mais engraçadas para mim são aquelas quando está sem vento e glass. Gosto quando a onda te obriga a ser rápido, quando vem a quebrar atrás de ti e tens que dar gás. (risos) Também gosto de sessões descontraídas quando mede meio metro, pegas no longboard e vais relaxar para dentro de água. Como a melhor onda é sempre aquela que te traz maior felicidade, pode muito bem ser aquela onda que está lá ao fundo da praia de sempre. 

E ao longo da costa portuguesa, quais os spots onde te sentes mais confortável?

Sinto-me confortável a surfar em grande parte da costa sudoeste, dependendo do swell, é claro. Vou para lá todos os anos e aos poucos vou conhecendo bem aquilo. Vale Figueira, Castelejo e Cordoama são dos meus spots de eleição, não só pelo surf mas também pelas praias e pelo ambiente que lá se vive. Outro spot pnde estou confortável é em Peniche. Não tenho lá ido muito, mas tenho tão boas memórias de sessões de surf e de quando fotografava, que me trazem uma nostalgia e um carinho muito especial por essa terra.    

Sou nortenho de gema e amo o meu Porto, mas vivemos num país que se chama Portugal.

Disseram-nos que és adepto da “vanlife”. Isso é uma forma de surfares mais e conheceres novos spots?

Sem dúvida alguma. É uma forma de liberdade e mobilidade que nos permite andar à procura dos melhores spots e das melhores ondas, sem nos preocuparmos onde e como vamos passar a noite. Estás com a casa às costas, por isso, podes sempre parar numa encosta, abrir as portas, com as cortinas a esvoaçar, e esperar a maré vazar para poderes dar a surfada do final do dia. 

Não a tenho usado só para ir surfar. Tenho um filho com 3 anos que adora o “Snail” ( = caracol; nome com que foi batizada a van). Sempre que podemos fazemos uns fins de semana em família, na zona do Alto Minho. Ele adora acordar ao som dos pássaros, ainda antes do Sol nascer, e poder ter todas essas experiências de comer, brincar e dormir dentro de uma carrinha. Isto faz-lhe bem… é uma forma de estar mais em contacto com a natureza e que, sem duvida, lhe irá trazer muitas boas recordações da sua infância. Vou fazer por isso. Resumindo e concluindo: adoro este mundo das “vans”.  

O Porto é mesmo uma Nação? 

Honestamente, nunca pensei nisso. Agora só me consigo lembrar da música. (risos) “O porto é uma Nação, Eterno campeão,  Azul e branco é o coração… lalala lalala…” (risos) Mas sei lá. Penso que devíamos descentralizar ao máximo as coisas. A realidade é que o Norte é sempre esquecido em detrimento da grande capital, por isso é que, no geral, o portuense e o nortenho dizem que não precisam do Sul para nada e que o Norte tem tudo para ser independente, afirmando sempre com a frase: “O Porto é uma Nação, c@r@lho!”

A zona da grande Lisboa é sempre mais beneficiada em relação ao resto do país, disso não tenho dúvidas, mas não vamos fazer disto mais uma guerra do Norte contra o Sul, para isso já temos o futebol. Sou nortenho de gema e amo o meu Porto, mas vivemos num país que se chama Portugal e devemos olhar para todo o país e não só uma parte.

Principalmente procuro ondas que me divirtam. Se não for para me divertir, nem vontade tenho de entrar na água. 

Estar de câmara e tripé na praia a fotografar o surf foi coisa que não demoraste muito tempo a fazer… 

Antes de começar a fotografar surf, já trabalhava com fotografia de moda e publicidade (o que ainda hoje faço). Acabou por ser mais uma espécie de escape do que propriamente ganha-pão. Nessa altura publicava fotos em revistas de surf e bodyboard, como a Surf Portugal, Vert Magazine, Fluir, Carve Magazine, Hardcore, Sixty40, etc. Até na Surfer Magazine foi publicado um slide show de fotos minhas de uma sessão no Canhão da Nazaré. Cheguei a fazer um bom dinheiro extra. Eram outros tempos onde os fotógrafos eram recompensados pelo seu trabalho. Não é como agora que não faltam pseudo fotógrafos a oferecerem fotos em troca dos seus nomes nos créditos. Depois, com o desaparecimento das revistas de surf em papel, desliguei-me um pouco. Eu gostava era de ver as minhas fotos impressas, folhear uma revista e sentir aquele cheirinho a papel. Disso é que tenho saudades. Também nessa altura fui pai e fotografar surf deixou de ser a minha prioridade. Passar tempo com a família e surfar foi o que comecei a fazer mais. Em todo o caso, não estou completamente fora da fotografia de surf. Vou fotografando algumas etapas do nacional de surf e de longboard aqui no Norte e também algumas sessões de free surf, dentro e fora de água. No fundo, tudo o que tenha ação é o que me dá mais prazer fotografar. 

Que tipo de fotógrafos consideras ser uma referência?

Temos muito bons fotógrafos nacionais, com muito talento, mesmo não sendo profissionais. Um que considero ser uma referência no mundo da fotografia de surf é o Tó Mané. Antes de eu sonhar em ser fotógrafo, já o Tó fotografava surf em analógico. Sempre acompanhado da sua objetiva 600mm fixa e com a mochila às costas cheia de rolos 35mm. Cada onda que ele disparava gastava um rolo de 24 ou 32 fotografias. Depois ir para o laboratório fazer revelações e escolher as melhores para enviar para os media. Eram outros tempos. Anda nisto há muitos anos, já publicou em tudo quanto é revistas e sites de surf pelo mundo fora. Foi o fotógrafo que fez aquela mítica foto do Canhão da Nazaré com o Garrett McNamara. A foto que fez noticia pelo mundo e que deu a conhecer o Canhão a muitos surfistas internacionais. Aprendi muito com ele e trabalhámos já muitas vezes juntos. Para além de ser um grande amigo, é um grande profissional. É dos poucos que conheço em Portugal a viver só da fotografia de surf. 

Com o desaparecimento das revistas de surf em papel, desliguei-me um pouco.
Eu gostava era de ver as minhas fotos impressas, sentir aquele cheirinho a papel.

Além do surf e da fotografia, também estás ligado ao design, ao trabalho de estúdio, à moda e lifestyle. Tudo parece encaixar como uma luva. São áreas/atividades que se complementam?

Sim, felizmente tudo se encaixa como uma luva. Como já disse, durante a semana trabalho com fotografia de moda e publicidade. Isto já há mais de 15 anos. O estúdio fica a 100m da praia e, por isso, passo lá antes de ir trabalhar, nas horas de almoço e fins de tarde. Sempre que dá para surfar, aproveito ao máximo, mesmo não estando as condições ideais, lá vou eu. Quanto muito só para sentir aquela ligação com o mar e voltar com a salitre entranhada na pele. Quando vou para o estúdio já vou novo e de alma lavada. É bom de mais trabalhar no que gostas e poder estar em contacto com o mar todos os dias. Sei que nem todos têm essa sorte e, por isso, só tenho de agradecer a tudo o que a vida me tem proporcionado.   

Uma última questão: Há melhor vida do que esta (a de surfista)?

Nada melhor que esta vida de praia, sol, mar, surf, viagens, família, amigos, festa, etc. É assim que vejo a vida de um verdadeiro surfista. Sei que não é para qualquer um acordar às 6h da manhã e ir para a praia à procura de boas ondas, seja para surfar ou fotografar, mas para nós isto não é uma regra, mas antes um hábito que criámos. O de estar na água, a necessidade de sentirmo-nos conectados com o oceano e sempre à procura daquela sensação de prazer que as ondas nos causam. É um vicio… e sou dependente desta vida maravilhosa que o mar nos oferece. Como se costuma dizer: “Only a surfer knows the feeling”xxx

(…) só tenho de agradecer a tudo o que a vida me tem proporcionado.

* Todas as fotos da autoria ou de arquivo pessoal @zeca_photography

Previous Dança nos Super
Next Espanha é a nova campeã mundial em Para Surfing